As instituições coercitivas e a qualidade da democracia


Por José Maria Nóbrega Jr. Cientista Político e Professor da Faculdade Maurício de Nassau


Faz tempo que discuto sobre a qualidade da democracia brasileira utilizando como “termômetro” as instituições coercitivas (polícias, Justiça, Ministério Público e Sistema Carcerário). Em meu livro, “Semidemocracia brasileira: as instituições coercitivas e práticas sociais”, elaborei um roteiro de análise tendo como foco o funcionamento formal e informal das instituições coercitivas, mostrando as práticas de seus atores políticos e a sua representatividade perante a sociedade brasileira. Como tais práticas, com destaque para as práticas informais, muitas das vezes causam desconfiança e desesperança à sociedade, com maior relevo aos mais pobres.
Dentro dessa perspectiva, uma pesquisa que fora publicizada no dia 5 de fevereiro de 2010 no Jornal do Commercio, corrobora empiricamente a tese central de minha análise em “Semidemocracia brasileira” e vem tendo relevo, também, em minha Tese de Doutorado – a qual defenderei em março próximo no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE -, onde a principal hipótese diz respeito ao accountability democrático das instituições coercitivas, como sendo a variável principal para o controle dos homicídios em um curto espaço de tempo (a Tese versa sobre os homicídios no Nordeste).
A matéria intitulada “População não confia no Judiciário brasileiro”, traz os principais resultados da pesquisa realizada pela Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A pesquisa mede o Índice de Confiança na Justiça (ICJBrasil). “Os nordestinos lideram o ranking da desconfiança. Em Salvador e no Recife, 79,2% e 78,7% dos entrevistados respectivamente, disseram duvidar da honestidade ou imparcialidade do Judiciário. Em seguida vieram Rio de Janeiro (71,7%) e São Paulo (71,4%)”. Com tal desconfiança por parte dos brasileiros, qual a eficácia que as instituições que são responsáveis pelo monopólio da força podem ter? Dificilmente um cidadão que não confia na Justiça vai querer resolver seus contenciosos de forma legal.
Daí a população avaliar mal, também, a capacidade de solução de conflitos por parte da Justiça. A média nacional foi de 60,6% daqueles que afirmaram que o Judiciário não é competente ou tem pouca competência para solucionar os conflitos. Afirmo que o Estado que não consegue se legitimar como o ente responsável pela solução dos conflitos em uma sociedade, corrobora para a fragilidade de liberdades fundamentais, como o direito ao acesso à Justiça e à vida. Quando o Estado falha em manter todos em respeito, o que passa a existir é o estado de guerra hobbesiano.
Recife se mostra como o caso mais acentuado de desconfiança no Poder Judiciário entre as capitais brasileiras. 74,2% dos recifenses não acreditam que o Judiciário seja competente para solucionar conflitos. Isso se relaciona diretamente com os indicadores de violência e criminalidade dessa capital. No diagnóstico que fiz recentemente sobre a violência e a criminalidade nas capitais brasileiras, mostrei que Recife desponta em primeiro lugar entre as capitais com maiores taxas de homicídios juvenis por cem mil habitantes dessa população. Isso pode fortalecer a desconfiança do cidadão recifense na Justiça.
A lentidão do Judiciário também foi analisada pela pesquisa. No Recife mais de 90% dos entrevistados afirmaram que o Judiciário resolve os problemas de forma muito lenta. A sensação de injustiça é muito grande perante a esmagadora maioria da população.
Ressalto que à lentidão do Judiciário antecede a incapacidade estrutural do Ministério Público e a ineficácia investigativa da polícia na maioria dos estados brasileiros. Apesar dos esforços de alguns estados, como São Paulo e Pernambuco, a regra é a lentidão no processo investigativo, bem como a falta de pessoal capacitado para uma adequada investigação policial.
A qualidade de uma democracia está alicerçada na sua capacidade de dirimir conflitos sem que haja derramamento de sangue. O Brasil é responsável por 10% dos homicídios do mundo, o que equivale a aproximadamente 49.000 pessoas assassinadas a cada ano, não obstante a redução desses números a partir de 2003. Contudo, o Nordeste é responsável por uma gama bastante expressiva desse número com mais de quinze mil assassinatos no ano de 2007, o que vem crescendo de forma exponencial desde meados da década de noventa. Ou seja, muitas pessoas estão sendo assassinadas no Nordeste e a capacidade do estado de retroceder este índice se mostra praticamente nula. Até que ponto uma democracia agüenta taxas de homicídios superiores aos 50 por cem mil habitantes? (O suportável, segundo a Organização Mundial da Saúde – OMS – é de 10 por cem mil habitantes).
As instituições coercitivas tem papel primordial para a qualidade de um regime democrático. Para que exista solidez da democracia, direitos básicos, como o direito a um julgamento rápido e justo, por exemplo, passa a ser o principal termômetro para uma democracia em bases sólidas, mais que a garantia dos direitos políticos. A desconfiança exacerbada da sociedade brasileira no Judiciário é um sinal de que a nossa democracia está doente, na UTI. E isso está ajudando a potencializar a criminalidade e a violência mais que variáveis ligadas as melhorias das condições socioeconômicas e estruturais da economia.

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